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quinta-feira, 12 de setembro de 2024

 

 

O Amor Como Vício

Soneto de Abertura**

 

O amor é uma droga... 

É o meu maior vício! 

Eu me viciei nessa droga! 

O coração em solstício, 

 

Desregulada e muito louca!! 

Eu quero dele agora a boca! 

É já! Minha vontade é o agora!!! 

Quero-a por todas as horas. 

 

Meu vício é ele! O meu bem 

E meu mal! Quero-a e não vem 

Agora a sua boca para meu bem!! 

 

Ora, amor é a pedra no meu caminho! 

Quem mandou ele fomentar meu ninho? 

Foi só para me deixar nesse descaminho? 

(Sartório Wilen)

 

 

       Uma Dependência sem Fim

 

Eram quase três da manhã, e Carla ainda estava acordada. O quarto escuro parecia apertá-la, como se as paredes se fechassem um pouco mais a cada segundo. A janela aberta deixava entrar a brisa fresca da madrugada, mas o coração dela batia forte, quente, como se estivesse preso em um inferno particular. O celular, jogado ao lado da cama, piscava de vez em quando, entretanto nunca com a notificação que ela desejava.

 

— Ele não vai responder... — murmurou, frustrada, jogando-se de volta no travesseiro.

 

Carla estava obcecada. Obcecada por Daniel, o homem que a enfeitiçara desde o primeiro beijo. A sensação era incontrolável, como se uma força invisível a puxasse para ele, não importava o que fizesse. Era um vício que a corroía lentamente, um desejo constante de estar perto dele, sentir seu toque, ouvir sua voz.

 

Aquele silêncio era insuportável. Sentia que cada segundo sem uma mensagem dele, era um ataque à sua sanidade. Queria, precisava, que ele falasse com ela, que estivesse presente, que a quisesse da mesma forma que ela o queria. porém as horas passavam, e nada... Uma angústia profunda tomava conta de seu peito e seus pensamentos giravam em torno do que ele poderia estar fazendo, ou pior, com quem.

 

De súbito, seu telefone vibrou. Ela saltou da cama, ansiosa, mas ao ver a tela, a decepção foi imediata. Era apenas uma mensagem de trabalho.

 

— Droga! — exclamou, sentindo uma onda de raiva atravessá-la.

 

Sentiu-se desamparada, como se estivesse à mercê de algo maior do que ela própria. A sensação era quase física, como uma droga. "O amor é uma droga", pensou. "E eu estou completamente viciada."

 

O dia em que conheceu Daniel parecia tão distante, contudo, a lembrança ainda era vívida. Ele se apresentou charmoso, envolvente, parecia entender seus desejos mais íntimos. E então, com o passar do tempo, a atenção foi diminuindo. As mensagens, que antes eram constantes, tornaram-se espaçadas. As promessas de encontros transformaram-se em desculpas vagas. No entanto, mesmo sabendo disso, Carla não conseguia se desvencilhar da necessidade de ter Daniel por perto. O vício era maior que ela.

 

— Eu preciso de você — ela disse em voz alta, como se as palavras pudessem atravessar o espaço e o tempo até ele.

 

Lembrou-se das noites que passaram juntos, de como ele a fazia rir e como, de alguma forma, sempre parecia escapar quando as coisas ficavam sérias. Como se ele soubesse o poder que tinha sobre ela, e isso o fizesse manter distância, mantendo-a sempre na linha tênue entre o desejo e a frustração.

 

— Meu vício... meu bem... e meu mal — sussurrou Carla, quase sem perceber.

 

Ela levantou-se da cama, incapaz de ficar parada. Caminhou pelo apartamento, o coração apertado, como se cada passo fosse uma busca por algo inalcançável. O eco de seus sentimentos reverberava em cada canto da casa. "Quero-o por todas as horas... mas ele não vem!!!!!!!"

 

Carla passou as mãos pelos cabelos, os olhos agora lacrimejando. Era como se estivesse presa em um ciclo, um labirinto emocional do qual não conseguia escapar. "Amor é a pedra no meu caminho!!!", pensou, repetindo para si mesma. Cada passo que tentava dar para seguir em frente, era barrado pelo próprio desejo de ter o amado de volta.

 

Ela pegou o telefone de novo, hesitante. As horas avançavam e, no fundo, sabia que enviar outra mensagem seria inútil. Mas, como todo vício, o impulso era maior que a razão. Digitou rápido, um pedido simples: "Você vem hoje?"

 

Silêncio. Mais uma vez, silêncio.

 

— Quem mandou ele fomentar meu ninho? — murmurou, ecoando a pergunta que atormentava sua mente.

 

Já havia internalizado tudo mentalmente, como se tudo tivesse sido feito para deixá-la nesse estado de desespero. Como se ele tivesse, deliberadamente, plantado a semente do vício em seu coração, apenas para depois a abandonar. E agora, sozinha em seu apartamento escuro, Carla se perguntava se algum dia conseguiria se libertar desse amor.

 

O celular vibrou novamente. Dessa vez, o nome que tanto esperava, apareceu na tela.

 

— Estou na rua de baixo. Desce.

 

Carla sorriu, aliviada. Mesmo sabendo que a resposta, essa atenção momentânea, não resolveria nada, sentiu-se aliviada. Pelo menos por esta noite, o vício seria saciado. Amanhã? Amanhã seria outro dia, com suas próprias dúvidas e inquietações.

 

Ela pegou a chave e saiu porta afora. O amor, pensou, é o vício mais devastador que existe. Mas também é o único do qual, talvez, nunca quisesse realmente se curar.

 

Comentários

O soneto, integrado à narrativa, reflete perfeitamente os sentimentos de Carla. O amor como droga e vício, a obsessão pela presença do outro, a dor causada pela ausência, e a sensação de estar em um descaminho emocional são sentimentos explorados tanto no poema quanto na história. O ciclo vicioso de dependência é a base da trama, e o soneto, posicionado no início, serve como um prenúncio poético da trajetória emocional de Carla.

 

Título: O Amor Como Vício

 

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**Soneto de Abertura** 

 

O amor é uma droga... 

É o meu maior vício! 

Eu me viciei nessa droga! 

O coração em solstício, 

 

Desregulada e muito louca!! 

Eu quero dele agora a boca! 

É já! Minha vontade é o agora!!! 

Quero-a por todas as horas. 

 

Meu vício é ele! O meu bem 

E meu mal! Quero-a e não vem 

Agora a sua boca para meu bem!! 

 

Ora, amor é a pedra no meu caminho! 

Quem mandou ele fomentar meu ninho? 

Foi só para me deixar nesse descaminho? 

 

(Sartório Wilen)

 

Análise Estrutural e Psicológica do Texto

Estrutura do Soneto

O soneto segue a tradicional forma de 14 versos, distribuídos em dois quartetos e dois tercetos, o que oferece uma estrutura clássica à poesia. Os quartetos estabelecem o tema principal, neste caso, o amor como vício e fonte de descontrole emocional, enquanto os tercetos concluem a reflexão com um tom de frustração e questionamento.

Primeiro Quarteto: 

  O amor é imediatamente comparado a uma droga, algo viciante que domina a vida da pessoa. A ideia de "vício" aqui reflete uma dependência incontrolável, uma entrega absoluta a algo que está além do controle racional. O uso de "solstício" sugere um ponto de mudança extrema, talvez a oscilação entre os polos do prazer e da dor no amor.

 

Segundo Quarteto: 

Aqui, o desejo toma o palco, personificado pela urgência em obter o outro. A linha "Minha vontade é o agora!!!" transmite a natureza impulsiva desse desejo, como um vício que não pode esperar. O excesso de exclamações intensifica o sentimento de desespero e necessidade imediata.

Primeiro Terceto:

O vício é novamente reforçado, mas agora com a frustração da ausência. O sujeito deseja a presença e o contato físico (a boca) do outro, mas esse desejo não é satisfeito. O conflito entre querer e não ter se estabelece, mostrando a natureza ambígua do amor, tanto "bem" quanto "mal" ao mesmo tempo.

Segundo Terceto:

  O encerramento do poema é uma reflexão sobre a armadilha do amor. A metáfora da "pedra no caminho" é uma alusão ao obstáculo que impede o sujeito de seguir em frente. A ideia de que o amor fomenta um "ninho" sugere uma falsa sensação de segurança ou lar, que na realidade leva ao "descaminho", ou seja, à perda de direção na vida emocional.

Análise Psicológica

A narrativa e o poema tratam de um estado psicológico de dependência emocional e de como o amor pode se transformar em algo que subjuga a mente e o corpo. Carla, a protagonista da narrativa, é uma representação vívida do que o soneto descreve: uma pessoa que não consegue controlar sua obsessão amorosa. Ela está presa em um ciclo de desejo e frustração, similar ao uso de uma droga.

A dependência emocional pode ser descrita como um estado em que a pessoa se torna incapaz de encontrar satisfação ou completude sem o outro. No caso de Carla, o amor por Daniel não é apenas um sentimento, mas uma necessidade compulsiva, um vício que controla sua vida. O ciclo de espera, frustração e alívio momentâneo com a atenção de Daniel espelha o ciclo de vício descrito no poema.

Neurociência e o Amor como Vício

A experiência de Carla e o tema do soneto têm paralelos diretos com o que a neurociência entende sobre o amor e a dependência. Estudos sobre o cérebro mostram que o amor romântico, ativa regiões semelhantes àquelas envolvidas no vício em drogas, especialmente o sistema de recompensa, que inclui o núcleo accumbens (centro do prazer) e o córtex pré-frontal. Estes são os mesmos circuitos ativados pelo uso de substâncias como cocaína e álcool.

1. - Dopamina:

   Quando Carla espera uma mensagem de Daniel, o cérebro dela provavelmente está inundado de dopamina, o neurotransmissor associado à expectativa de recompensa. A dopamina é responsável pela sensação de prazer e antecipação, e quando o desejo é frustrado, como quando Daniel não responde, ocorre um “déficit de dopamina”. Isso cria uma sensação de desconforto e insatisfação, semelhante à abstinência em vícios físicos.

2. - Ciclo de Recompensa:

   O vício emocional de Carla é reforçado toda vez que Daniel responde ou dá qualquer sinal de atenção. Esse “reforço intermitente” é extremamente poderoso, pois o cérebro recebe a recompensa de forma imprevisível, o que aumenta ainda mais a compulsão. A incerteza de quando (ou se) Daniel vai responder faz com que o cérebro de Carla busque continuamente aquela dose de dopamina, criando um ciclo que é difícil de quebrar.

3. - O Papel do Córtex Pré-Frontal:

   O córtex pré-frontal, que é responsável pelo controle de impulsos e pelo planejamento a longo prazo, é muitas vezes “sequestrado” em estados de amor obsessivo. Isso explica por que Carla continua a enviar mensagens a Daniel mesmo sabendo que isso não resolverá o problema. Ela não consegue “racionalizar” seu comportamento, porque sua mente está dominada por impulsos emocionais.

4. - Desregulação Emocional: 

   No poema, o coração é descrito como "em solstício", indicando uma desregulação emocional extrema. Isso pode ser interpretado como uma metáfora para o estado de desequilíbrio do sistema límbico, onde as emoções são processadas. Pessoas em relacionamentos obsessivos, como Carla, frequentemente sofrem de altos e baixos emocionais intensos, semelhantes a uma "montanha-russa" emocional, exatamente como o soneto descreve.

Análise mais Profunda

O texto que acompanha o soneto e a história de Carla são representações profundas da natureza humana em face do amor e da dependência emocional. Carla, assim como o eu lírico no soneto, sente-se aprisionada por um amor que não é recíproco de maneira satisfatória. Ela experimenta uma necessidade constante, como se o outro fosse a única fonte de prazer, apesar de essa dependência também trazer sofrimento.

O estado emocional de Carla é tipificado pela "urgência do agora", a necessidade imediata de alívio que só o contato com Daniel pode proporcionar. Isso reflete a natureza cíclica dos relacionamentos disfuncionais, onde os momentos de satisfação são curtos e seguidos por longos períodos de angústia e espera.

Do ponto de vista psicológico, Carla está presa em um relacionamento que segue o modelo da dependência emocional. O "descaminho" descrito no soneto é o resultado de uma idealização irrealista do outro, que fomenta um ninho de ilusões, mas nunca entrega a estabilidade emocional prometida.

Conclusão

A estrutura do soneto complementa e enriquece a narrativa, funcionando como um espelho poético da jornada emocional de Carla. Ambas as formas artísticas (narrativa e soneto) exploram as complexidades do amor obsessivo, as armadilhas psicológicas da dependência emocional, e os efeitos neurobiológicos dessa experiência. O uso de figuras de linguagem, como "droga", "vício", e "pedra no caminho", contribui para uma compreensão mais profunda das emoções humanas envolvidas. A história de Carla, assim como o soneto, revela que o amor, quando transformado em dependência, pode ser tanto uma fonte de prazer quanto de dor, aprisionando a mente e o coração em um ciclo difícil de escapar.

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